quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

"Tudo vale a pena, se a alma não é pequena"


Nem só de livros e debates vive um estudante universitário. Há situações engraçadas na nossa vida acadêmica. O interessante de tudo isso é o “nível cultural” das piadas. Certa feita, numa das turmas de direito em que estudo, logo no começo do período, deparei-me com uma das cenas mais engraçadas de minha caminhada: um dos alunos perguntou ao professor se este seria “durão” e ele respondeu que sim. Acompanhe o diálogo:


Aluno: Professor, o senhor é rigoroso com a questão das faltas e aplicação de provas?

Professor: Sim e muito.

Aluno: Mas professor... Lembre-se de que já cruzamos o “cabo da Boa Esperança”...

Professor (irônico): Certo, certo... Mas não esqueça que antes ele era o “cabo das Tormentas”...

Para quem não entendeu e não achou graça, trago aqui um pequeno trecho da história das Grandes Navegações. Com a tomada de Constantinopla pelos turcos, o comércio português de especiarias ficou prejudicado. Numa tentativa de se encontrar um novo caminho até as Índias, Portugal lançou-se ao mar. Bartolomeu Dias, um dos heróis desse tempo, chefiou uma dessas expedições marítimas e, ao chegar ao extremo sul da África, contornou um cabo (imagem acima). Durante a passagem, no entanto, passou por várias tormentas e tempestades, o que fez dar-lhe o nome de cabo das Tormentas. O rei João II, entretanto, decidiu renomeá-lo cabo da Boa Esperança, pois, contornando-o, descobriu-se um outro caminho para as Índias. Lembrando da história, o aluno ligou-a de imediato à vida acadêmica: até o “cabo”, que seria a metade do curso, dificuldades; depois, só calmaria e lucros. Entretanto, pelo que vi do professor, acredito não ser bem assim.

Ah, falando em cabos, tormentas e travessias, recordei-me desse poema de Fernando Pessoa que, por analogia, embora trate dum outro cabo, bem revela a nossa vida acadêmica. Segue o poema:

“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

3 comentários:

Anônimo disse...

Hoje, curto e grosso!: tem gente que num é da área; querem fazer Direito pra resolver a sua vida, lidando com a vida dos outros, sem responsabilidade. Os egressos das faculdades de Direito não passam a ter uma mentalidade solidária, de compreensão, uma verdadeira formação moral para o exercício de funções que exigem sensibilidade e respeito com a vida.
Sequer damos importância às primeiras disciplinas (os professores vem de outras faculdades, sabe que os bacharelando não estão muito aí pra tal da Filosofia, Sociologia, Psicologia, Antropologia, Metodologia da Ciência, "essas baboseiras de quem num tem o que fazer"), queremos ler códigos... Ora, para ler uma lei basta ter concluído um bom ensino fundamental e, se necessário, um bom dicionário ao lado. Para compreender como o texto vira norma e aplica-se no mundo real, decidindo vidas e regrando comportamentos, é preciso mais!
Cadê? Já estamos cansados... Estudar pra prova, trabalhar, cuidar dos filhos, resolver nossas coisas, fila, engarrafamento...
Só um lembrete: na universidade você é estudante! Somente! O seu cliente e seu professor não querem saber dos seus problemas externos. Assim como o chefe do trabalho ou os filhos não querem saber da sua faculdade. Isso foi dito meio grosseiramente, mas foi apenas para enfatizar que, de fato, temos várias atribuições, que não podem ser usadas como desculpas. Afinal, o próprio sistema, regimento da universidade, prevê hipóteses em que considera alguns casos como justificantes.
Fez vestibular: o que você quer na universidade? Um diploma! Ah... se for só isso, está no lugar errado! A sociedade exige mais de você, ela não te sustenta só pra isso!
Querem fazer da faculdade de Direito um cursinho. Macetes, resumos, dicas, sinopses, apostilas são o que mais existe.
Para os professores, que são muito ocupados com seus cargos e funções fora da universidade, é uma tranqüilidade: basta ler um código, contar uma caso que viu, assim e assado, mostrar um aresto jurisprudencial, dizer que tudo é relativo (Einstein disse já faz um tempinho), que é muito subjetivo (como se o objeto pudesse fazer auto-análise e não um sujeito observá-lo), que é muito complexo, e por aí vamos...
Pensam que a academia é ginástica mesmo. Pô, está-se numa UNIVERSidade. O que complica é que o ciclo é viciado e mais viciante, começa na alfabetização (quantos analfabetos funcionais nas universidades!), depois os professores da escolinha vão dando um pontinho ali outro acolá... De repente, no caso do Direito, o cara é bacharel, e pior, passa na OAB e vai representar os interesses de alguém.
Eu já me alimentei desse sistema, falo com propriedade, já tive faltas abonadas quando não deveriam ter sido, o professor sequer fazia chamadas; fiquei com 10 em trabalhos que o professor sequer leu; fiz Crtl + C e Crtl + V e Ctrl + P!
E continua assim... Depois vamos ficar reclamando do capitalismo, do comunismo, do político, do fulano, do nosso pai, do professor.
Chega! Nem tudo vale a pena (acabou a tinta da minha!) =P

RamonReboucas

Unknown disse...

Namastê.
Não gosto da citação que nomeia o post: dá a entender que tudo depende apenas do indivíduo e, por conseguinte, da forma como ele vê a vida. Nota-se, entretanto, que as variantes ambientais estão aí e que nossa sociedade não foi "projetada" para que todos se dêem bem, a começar pelo vestibular. Para que Saulo Bandeira cursasse Direito, por exemplo, alguém teve que ficar de fora. E ainda que usemos o argumento do esforço e superação pessoal, típico do que chamo de "pedagogia da auto-ajuda", por que Saulo entrou e outro não, se ambos (pressupondo) se esforçaram? Para começar, tal comparação é um equívoco, pois cada indivíduo é único. Creio que se faz necessária uma boa reforma social do que paliativos como "bolsa-qualquer coisa".
Quanto à referência ao curso de Direito, concordo com "anônimo" quando afirma que "querem fazer Direito pra resolver a sua vida", já que é o curso mais promissor em matéria de concursos etc. Também concordo quando afirma que "os egressos das faculdades de Direito não passam a ter uma mentalidade solidária, de compreensão, uma verdadeira formação moral para o exercício de funções que exigem sensibilidade e respeito com a vida.". No entanto, o mesmo afirma que já se alimentou de um sistema que torna o curso como um dos mais fáceis de se terminar de toda a universidade, revelando certo conformismo, o que é inadmissível! A julgar por isso, pessoas que reclamam, mas agem de forma análoga aqueles de quem falam, temo...
Samadhi.

Anônimo disse...

Sem querer fazer dos comentários um debate, é preciso reler meu comentário. Realmente, se eu estivesse conformado temeria a mim mesmo e daria motivos para que fosse eu assustador. Contudo, o que fiz foi enfatizar a culpa compartilhada dos professores. Não fazem chamada (por isso, tive abono), não lêem o trabalho (por isso, fiquei com 10). Quanto ao Crtl C + Ctrl V + Crtl + P, lamento meu erro, errei e não tentarei me justificar.

RamonReboucas