domingo, 27 de janeiro de 2008

Decifre-me ou devoro-te!

O mito da esfinge é por demais conhecido por quem gosta de mitologia grega. Monstro alado cujo corpo era metade leão e metade mulher (figura ao lado), ela devorava qualquer humano que encontrava pela frente. Antes de fazer das pessoas seu almoço, lançava um enigma: sendo este decifrado, o “prato” estava livre; se não, bem, ela ficava de barriga cheia. Assim se sucedeu durante muito tempo na cidade de Tebas até Édipo topar com ela. “Decifre-me ou devoro-te!”, disse-lhe a Esfinge, para logo em seguida propor-lhe o enigma: “qual é o animal que de manhã anda com quatro pernas, ao meio-dia com duas e à noite com três?”. Édipo não titubeou e respondeu corretamente: “o homem, pois ele engatinha quando jovem, anda ereto na juventude e se apóia em uma bengala na velhice”. A pobrezinha, frustrada e enraivecida, sabendo que passaria por uma longa dieta, joga-se em um precipício e morre. Esse trágico intróito, prezados amigos, abre uma série de debates sobre arte. Quem nunca, diante de um quadro, uma música, um poema ou uma dança, deparou-se com a esfinge diante de si, mostrando os dentes e lançando o mortal desafio “decifra-me ou devoro-te!”?

Assim estou me sentindo agora. Afinal, falar de arte é sempre difícil. Por exemplo, o que faz daquelas figuras de Andy Warhol arte? Qual a diferença entre o romance A Carne, clássico de nosso naturalismo, e um funk carioca do século XXI? Por que um poema de Vinícius de Moraes é “arte” e aquela sua cartinha de amor não é? O que faz de Chico Buarque um músico e Latino um... er... deixa pra lá...

Certa feita um dos nossos maiores poetas contemporâneos (que disputa um afamado “cetro da lírica” com Ferreira Gullar), Affonso Romano de Sant'Anna, afirmou que precisamos abrir os olhos. A arte não é qualquer coisa. Não é o fato de se “borrar” um quadro para este se tornar um Quadro; do mesmo modo, uma linda historinha, com frasezinhas de efeito e enredo fácil (isso mesmo, estou falando de Paulo Coelho), não é Literatura. O que diferencia, o elemento, o conteúdo da arte, eu não sei dizer qual é e aliás, nem poderia. Isso seria limitar a arte. Apenas tenhamos mais cuidado em defini-la, pois, abrir demais o conceito é abarcar “monstruosidades” como a famigerada (e morta, graças a Deus, amém!) “egüinha pocotó”.

Até os próximos tópicos sobre arte!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nesse tema, como dito pelo postador, definir arte seria limitá-la. Mas, dizer que certas coisas não são arte, como Paulo Coelho, Mc Serginho e Latino, não é uma expressa exclusão e, por conseqüência, modelo conceitual acerca da arte?
Bem, imaginemos diversos espaços geográficos, regressemos no tempo. Veremos regiões nas quais os seus habitantes desenvolveram a escrita mais que em outras localidades, noutras áreas a cerâmica foi mais bem trabalhada, outros preferiam fazer sons com instrumentos inventados, alguns pintavam rochas...
Estudamos que cada passo da História é acompanhado por determinados aspectos artísticos, escolas surgem, expressões humanas recebem nomenclaturas. Classicismo, Neoclacissimo, Romantismo, Naturalismo, Modernismo... ismos, neos e pós!
Não raro", "fazedores de coisas" que não eram considerados artistas em seu tempo, são reconhecidos posteriormente como gênios da arte. Com outros, pode ocorrer o inverso.
Não vou proteger o "escritor de livros" acima mencionado, nem muito menos os "fazedores de sons e letras". No mesmo sentido, jamais ousarei definir arte.
O comentário é mais problematizante que elucidativo!
Diante da constatação de que a idéia de arte é cambiante, variando no tempo e espaço, não seria mais apropriado analisar, primeiramente, em que período se vive?
Movimentos culturais são uma faceta das relações humanas, a desobediência civil pode levar a evolução de uma forma de organização social, bem como pode revelar-se autodestrutiva. Os movimentos artísticos inserem-se nessa mesma linha de raciocínio.
Indivíduos fazem coisas que agradam a alguns e desagradam a outros tantos, mais ou menos... Podem ser gestos, sons, imagens etc.
Parece que sempre há gente considerada "à frente do seu tempo", como podem haver retrógrados, além daqueles que estão "na moda", atuais, contemporâneos.
O que me preocupa são certos "ditos intelectuais", após consagração, querendo impor noções e sentidos sobre determinados acontecimentos.
Nossa caminhada é um processo, dialético, construção e desconstrução simultâneas, uma jornada pela história de cada dia. O que vamos aprendendo ganham vida em nós, formamos nossas convicções, caráter, personalidade. Os gostos variam entre pessoas (como aquela velha e suja frase)!
A depender do local e do período em que se vive teremos uma "cultura"!
Talvez, devêssemos respeitar o diferente. Os Mc's vivem uma realidade que os intelectuais acadêmicos apenas estudam por pesquisas, livros e métodos que não é o dia-a-dia de uma favela. Como a "egüinha pocotó" vai agradar aos que vivem no asfalto, mais acostumados a apreciar as "garotas de Ipanema"?
A mídia é que tenta mesclar, trazer tudo para um só espaço. Quem não conhece a tal globalização ou nunca ouviu falar em colonização? Aculturação, conhece? Vamos lá, então, ensinar para eles que música não é isso, arte plástica não é aquilo, literatura é assim que se faz!
Pronto! Eles aprendem e vivemos felizes para sempre...
Ora, que somos diferentes é evidente, que se fala em igualdade é antigo, que a Constituição prescreve o pluralismo e a convivência pacífica entre os povos é compreensível, mas aceitar uma batida diferente, uma letra que fale de coisas que nos chocam, que não nos interessa, é coisa repugnante.
O que fizeram com os índios? Levaram doenças, catequizaram, hoje levam remédios e fazem reservas com Internet, televisão e "escola de branco".
É fácil falar em respeitar o diferente, até o momento em que ele entra na nossa TV, no nosso rádio, nos nossos livros e discos, na mente de "nossas" crianças e no "nosso" jeito de ser.
Amar à distância é como o "Criança Esperança", descarrega a consciência e nem dói.
Certamente, tenho minha opções, minha construção de poucos anos de vida e o diferente me incomoda, me chateia, me deixa indignado, porém não ouso atacá-lo como senhor da verdade, às vezes, acusando um ingênuo, um ser que apenas vive uma vida que não é a minha...
Lutar contra o racismo, contra a perseguição aos homossexuais, aos "emos", aos "punks", aos "hippies", aos políticos, aos intelectuais, aos militares, ao meu pai, ao seu irmão é um esforço brutal, pois significa gostar de algo que não lhe é conhecido, algo que você não vive! Numa dessas categorias acima você pode se encaixar, certamente, essa você saberá defender com todos os argumentos e apelos.
A Bossa Nova surgiu com boêmios, elitistas, que sabiam tocar instrumentos conforme as regras, tinham tempo para andar de barquinho, olhar garotas na praia, e não merecem ser criticados por isso.
A educação é injeção de ideologia. Se o Estado ou alguns indivíduos querem estabelecer o nível cultural num determinado ambiente, devem ensinar como se faz e não excluir pela ignorância. No entanto, saibam que estarão ensinando cultura, o que significa, inevitavelmente, aculturação, podendo o resultado ser positivo ou desastroso, a variar do ponto de vista (dominador/dominado).

RamonReboucas