Qual a matéria prima do poeta?
Uma palavra - Chico Buarque
Palavra prima
Uma palavra, só a crua palavra
Que quer dizer
Tudo
Anterior ao entendimento, palavra
Palavra viva
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
Muda
Feita de luz mais que de vento, palavra
Palavra dócil
palavra d'água pra qualquer moldura
Que se acomode em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra
Palavra minha
Matéria prima, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra
Talvez, à noite
Quese-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra
Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento, palavra
sexta-feira, 14 de março de 2008
A poesia pelos poetas (parte 6)
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 3 comentários
A poesia pelos poetas (parte 5)
Como escrever?
Catar feijão - João Cabral de Melo Neto
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebra dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 0 comentários
A poesia pelos poetas (parte 4)
Então, onde está a poesia?
Ubiqüidade - Manuel Bandeira
Estás em tudo que penso
Estás em quanto imagino
Estás no horizonte imenso
Estás no grão pequenino
Estás na ovelha que pasce
Estás no rio que corre
Estás em tudo que nasce
Estás em tudo que morre
Em tudo estás, nem repousas
oh ser tão mesmo e diverso
(Eras no início das coisas
Serás no fim do universo)
Estás na alma e nos sentidos
Estás no espírito estás
Na letra, e, os tempos cumpridos,
No céu, no céu estarás
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 0 comentários
A poesia pelos poetas (parte 3)
O que deve ser escrito numa poesia?
A procura da poesia - Carlos Drummond de Andrade
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no esucro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 0 comentários
A poesia pelos poetas (parte 2)
Por que escreve o poeta?
Mundo grande (trecho) - Carlos Drummond de Andrade
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que carregam petróleo e livros, carne e algodão.
Vistes as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofre tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 0 comentários
A poesia pelos poetas (parte 1)
O que é o poeta?
Autopsicografia - Fernando Pessoa
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda,
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 0 comentários
Aviso aos 9 leitores
Um abraço!
Postado por Saulo Bandeira às sexta-feira, março 14, 2008 0 comentários