quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Uma aula de Introdução ao Direito para o Congresso brasileiro

Não pensei que um deputado poderia me fazer ministrar uma aula de Introdução ao Direito por meio deste blog. Aliás, pensando bem, até que não seria mal que o próprio lesse o que aqui vai escrito, talvez até aprendesse alguma coisa relativa ao seu trabalho... De quem falo? Do sr. Aldo Rebelo, Deputado Federal do PC do B/SP (foto). Sua excelência quer “barrar” o avanço do idioma através de uma lei. Pois é, meus caros, um projeto de lei do nobre Deputado Vermelho quer “purificar” a Língua Portuguesa... Só poderia ter surgido de uma brilhante mente comunista (o pior é que essa idéia brilhante contaminou outros congressistas...). Ah, vale ressaltar que é dele também o projeto de lei que pretende instituir o “dia do Saci” em contraposição ao dia das bruxas... Alguém precisa ensiná-lo que legislar não é brincar de fazer leis. Qualquer lei, qualquer uma, por melhor que seja, é uma restrição à Liberdade e, por tal motivo, só se deve legislar sobre coisas que de fato são importantes. Por mais somenos importante que aparente ser a lei, ela causa efeitos no mundo – e aqui começa a nossa aula – e isso afeta as pessoas de um modo geral.

Revejamos alguns velhos temas de direito, para melhor colocarmos o problema. Falamos no parágrafo anterior em “efeitos” causados pelas leis no mundo. A esses efeitos damos o nome de eficácia jurídica. Antes de tratarmos da eficácia, convém falar antes em vigência e efetividade. Vigência é o atributo que lhe dá existência, isto é, que a faz entrar no ordenamento jurídico. Normalmente há um prazo para que as leis entrem em vigor (45 dias, consoante art. 1º do Del. 4.657, de 4 de setembro de 1942). É a partir da vigência que as leis passam a ter eficácia, isto é, podem surtir seus efeitos, estão “valendo”. Entretanto, algumas leis, mesmo em vigência, tendo eficácia, não têm efetividade (eficácia social), ou seja, não surtem os efeitos pretendidos pelo legislador, seus destinatários não a seguem, enfim, é quando a lei não “pega”. Uma boa prova disso é a maior parte dos artigos referentes aos crimes contra os costumes no Código Penal brasileiro. Só a título de ilustração, veja-se: “Art. 234 - Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa” (Del. 2.848, de 7 de dezembro de 1940). Pergunto: algum de vocês já viu alguém sendo detido ou pagando multa por vender uma Playboy? No projeto de lei (art. 5º, do PL 1.679/99) há a previsão de retirada das palavras estrangeiras do nosso idioma, pois estas são “lesivas” ao nosso patrimônio, sendo substituídas por equivalente em português. Assim, não mais haverá self-services, mas vários “auto-serviços”; os shopping centers serão centros de compras; a já citada revista masculina deverá chamar-se “indivíduo rico ou que ostenta riqueza, jovem e solteiro, e de vida social intensa”; e o mouse vai virar “dispositivo de entrada dotado de um a três botões, que repousa em uma superfície plana sobre a qual pode ser deslocado, e que, ao ser movimentado, provoca deslocamento análogo de um cursor na tela” (definições do dicionário Houaiss, que, por esse projeto, deverá rever algumas delas, pois “cursor” é um estrangeirismo...). Não precisa ser expert (pelo projeto de lei eu deveria utilizar a palavra “esperto”) para ver que lei não surtirá efeitos pretendidos (eficácia social ou efetividade).

Na justificativa, o deputado afirma que o homem simples do campo não compreende tais palavras... Ora, convenhamos! Qual a pessoa hoje que não sabe o que é um Shopping Center ou um self-service? Pode não saber escrever tais palavras corretamente, como também não saberá escrever as portuguesíssimas exceção, gorjeio e obsessão, por exemplo. Na verdade o projeto tem claro cunho ideológico. Garanto que se fosse o russo, ao invés do inglês norte-americano (consoante se lê na justificativa do projeto) o idioma invasor, estaria o deputado querendo colocá-lo na grade curricular das nossas escolas. Um ponto a menos para o Congresso. Daria um ponto a menos para os comunistas, mas esses não mais os têm...

Ah, em tempo: pelo projeto de lei aqui tratado, eu deveria pagar uma multa que variaria entre R$4.256,40 e R$13.833,30... E, em havendo reincidência, esse valor seria dobrado (art. 6º, caput - ops! cabeça - e parágrafo único do PL 1.679/99).

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro colega de pensamentos, não entendi onde o comunismo entre aí! Em um próximo tópico, por gentileza, desculpe-me se não li outro relativo a isso, poderia nos explicar (até para que eu aprenda)...
Quanto à imposição do projeto de lei - evidente restrição à liberdade do cidadão - não creio estar "tão" aliado aos ideais comunistas, uma vez que os desconheço quando postos, efetiva e honestamente, em prática.
Contudo, creio que esse "problema" de estrangeirismo está relacionado à educação de base. Ora, o que tem de ruim, numa sociedade globalizada e, ainda, global-massificante, escrever termos de outro língua. Observe-se que a escola deveria já ensinar o estudo da língua, preparar o estudante para lidar com as palavras. Recordo de minhas aulas de inglês, sei que, no setor público de ensino, também há. Então o problema não parece ser ensinar, utilizar vocabulário estrangeiro. Concordo, em muito, com o colega Saulo, quando busca saber o interesse de tal projeto. Punir alguém por empregar termo de comunicação apto a levar informação e causar entendimento entre os interlocutores! Acho que é isso ou, talvez, não se lembrem da Reserva Indígena do Xingu e o que fizeram e, ainda, fazem com as culturas dos povos pré-colombianos.
Temos uma língua oficial, correto. A nação precisa de símbolos de identidade, concordo relutante (prefiro guardar minhas desconfianças com os símbolos para uma próxima discussão). A língua portuguesa foi a escolhida? A resposta é afirmativa. Agora, é só lembrar de um tal "1500, caravelas, expedições, colonização". Pronto! Cá estamos, pois (pois...).
Entendi a do congressista, ele quer "barrar" a invasão da cultura, especialmente, a norte-americana. Quem escolheu falar português? Ora, o Estado (com sua teoria já, há algum tempo, em reformulação) precisa rever essas imposições ao cidadão. Nos especializamos, aprendemos idiomas, nos inserem no sistema (nascemos nele)... Quando, então, vem alguém para dizer: "Calma!". Ora, parece que há outras coisas com que se preocupar o nosso parlamentar, ao não ser que ele proponha uma mudança de paradigma anti-globalização, que mobilize sociedade civil e instituições governamentais para rever o modelo de ensino (um verdadeiro plano político pedagógico de Estado). Recordar, inclusive, que educar é, à evidência, transmitir ideário e, portanto, induzir comportamentos. Pergunta-se: "Qual a educação que ser quer?". Será aquela eleita, oficialmente, pelo Estado, através de governantes, ou não se deve preocupar com isso? O grande ponto de interesse, nessa temática, acredito ser a análise cultural, na qual se verificam múltiplas invasões. Por isso, a atitude do parlamentar corresponde, se isolada, a mais uma tentativa de impor, de arbitrar, restringir opções. Veja-se que a comunicação é essencial ao sistema, à ordem vigente, portanto, como disse o companheiro Saulo, a lei não vai "pegar", salvo se houver aquela mudança paradigmática.
Ah, quanto à efetividade e eficácia, eficácia material, há autores que nem mais as diferencia. Vou consultar... Nesse tópico, pode-se lembrar do art. 121, do Código Penal brasileiro vigente, que penaliza o autor de um homicídio. Pergunto: “A lei pegou?”. Todos os dias, ocorrem homicídios, mas ninguém irar, ao menos no atual estágio da desumanidade, propor que se retire do ordenamento tal dispositivo normativo. Acredito que os textos legais (lei, em sentido amplo) são mais um mecanismo-instrumento de poder do Estado. Afinal, somente ele, no Estado de Direito, quem legisla imperativamente e com os demais predicados consabidos. O que está em jogo, quando falo em “lei pegar”, é o fundamento que sustenta determinada proposição normativa. Se a sociedade não cumpre a lei não quer dizer que deve-se extirpá-la do mundo jurídico, mas, ao revés, fazer com que a máquina, o aparelho de Estado funcione com todas as peças e ferramentas para que as pessoas se mudem, sejam mudadas, façam mudar. Quando a ação é pontual, é fato que os efeitos se esvaem mais facilmente. O que nos falta é participar, todos. Se isso não é viabilizado, grita-se: “Viva a diferença”.
Eita, quando falei todos soou comunista? Foi mal... Então, deve ser melhor que alguns participem e os outros fiquem... sei lá, à margem, alienados, qual a expressão para excluídos e desincapacitados?
Abraço, Saulo, parabéns!

RamonReboucas